quarta-feira, 2 de julho de 2008

Caros Monamis6fs, após ler o Post "Microchip torna-se obrigatório para cães" estava a pensar na questão, a ouvir "The Pretenders" no tema "Have Yourself a Merry Little Christmas" (vinil, é claro) e a ler simultânea e calmamente o que escreveu o grande Fernando Pessoa (ele era o máximo):

      O que penso eu do mundo?   

     Sei lá o que penso do mundo!   
     Se eu adoecesse pensaria nisso.

     Que idéia tenho eu das cousas? 
     Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? 
     Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma 
     E sobre a criação do Mundo?

     Não sei.  Para mim pensar nisso é fechar os olhos  
     E não pensar. É correr as cortinas 
     Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

     O mistério das cousas?  Sei lá o que é mistério! 
     O único mistério é haver quem pense no mistério. 
     Quem está ao sol e fecha os olhos, 
     Começa a não saber o que é o sol 
     E a pensar muitas cousas cheias de calor.   
     Mas abre os olhos e vê o sol, 
     E já não pode pensar em nada, 
     Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos 
     De todos os filósofos e de todos os poetas. 
     A luz do sol não sabe o que faz 
     E por isso não erra e é comum e boa.

     Metafísica?  Que metafísica têm aquelas árvores? 
     A de serem verdes e copadas e de terem ramos 
     E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,  
     A nós, que não sabemos dar por elas. 
     Mas que melhor metafísica que a delas, 
     Que é a de não saber para que vivem 
     Nem saber que o não sabem?

     "Constituição íntima das cousas"... 
     "Sentido íntimo do Universo"... 
     Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.  
     É incrível que se possa pensar em cousas dessas. 
     É como pensar em razões e fins 
     Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das árvores  
     Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

     Pensar no sentido íntimo das cousas  
     É acrescentado, como pensar na saúde  
     Ou levar um copo à água das fontes.

     O único sentido íntimo das cousas 
     É elas não terem sentido íntimo nenhum.   
     Não acredito em Deus porque nunca o vi.   
     Se ele quisesse que eu acreditasse nele, 
     Sem dúvida que viria falar comigo 
     E entraria pela minha porta dentro 
     Dizendo-me, Aqui estou!

     (Isto é talvez ridículo aos ouvidos 
     De quem, por não saber o que é olhar para as cousas, 
     Não compreende quem fala delas 
     Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

     Mas se Deus é as flores e as árvores  
     E os montes e sol e o luar, 
     Então acredito nele, 
     Então acredito nele a toda a hora, 
     E a minha vida é toda uma oração e uma missa, 
     E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

     Mas se Deus é as árvores e as flores  
     E os montes e o luar e o sol, 
     Para que lhe chamo eu Deus? 
     Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;  
     Porque, se ele se fez, para eu o ver, 
     Sol e luar e flores e árvores e montes, 
     Se ele me aparece como sendo árvores e montes 
     E luar e sol e flores, 
     É que ele quer que eu o conheça 
     Como árvores e montes e flores e luar e sol.  

     E por isso eu obedeço-lhe,  
     (Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?).   
     Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, 
     Como quem abre os olhos e vê, 
     E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes, 
     E amo-o sem pensar nele, 
     E penso-o vendo e ouvindo, 
     E ando com ele a toda a hora.

Atrevam-se a experimentar.

2 comentários:

Óscar disse...

Fantástico, este poema. Faz parte da minha lista pessoal (sim, por que não é só o Costa que faz listas...).

K disse...

A leitura foi feita ao som dos pretenders ?