sábado, 7 de fevereiro de 2009

Jorge de Sena, Camões dirige-se aos seus contemporâneos

Camões dirige-se aos seus contemporâneos


Podereis roubar-me tudo:
as ideias, as palavras, as imagens,
e também as metáforas, os temas, os motivos,
os símbolos, e a primazia
nas dores sofridas de uma língua nova,
no entendimento de outros, na coragem
de combater, julgar, de penetrar
em recessos de amor para que sois castrados.
E podereis depois não me citar,
suprimir-me, ignorar-me, aclamar até
outros ladrões mais felizes.
Não importa nada: que o castigo
será terrível. Não só quando
vossos netos não souberem já quem sois
terão de me saber melhor ainda
do que fingis que não sabeis,
como tudo, tudo o que laboriosamente pilhais,
reverterá para o meu nome. E mesmo será meu,
tido por meu, contado como meu,
até mesmo aquele pouco e miserável
que, só por vós, sem roubo, haveríeis feito.
Nada tereis, mas nada: nem os ossos,
Que um vosso esqueleto há-de ser buscado,
Para passar por meu. E para os outros ladrões,
Iguais a vós, de joelhos, porem flores no túmulo.


Jorge de Sena

2 comentários:

K disse...

Dizes bem, há algo para além de Fernando Pessoa...

P disse...

Jorge de Sena é um 'meu' poeta desde sempre. ('Camões...'; "Poesias II").
O 1º poema que li dele ('Uma luzinha no meio de nós') deixou-me arrasada. Depois disso, foi sempre a 'senar'. Antes mesmo de Pessoa (ou dos Pessoas). Outro dos poemas da minha Vida é o "Não sei, meus filhos/Que Mundo será o Vosso..." (Goya, 'Os fuzilamentos...'). A Vida dele é um exemplo. Tb. uma entrevista com a Mécia de Sena me marcou, diz muito sobre como olho a Vida: perguntada pelo abndono dos filhos(as?) durante uns tempos,numa das vezes que seguiu o marido no exílio, não hesitou em responder que faria sempre o mesmo:"Sabe, o meu marido, escolhi-o. Os meus filhos, não." Grande Senhora, companheira de um grande Senhor, poeta de coração e alma, além de estudioso de literatura,e inglesa... O Sena amoroso, sensual, é um aconchego. O Sena das obras de Arte é uma voz sobre outra voz. Concordo com a escolha. O vosso blog tem sempre por onde 'meter' a foice. 'Vale', como dizem nuestros hermanos. P.