domingo, 18 de janeiro de 2009

Ary dos Santos 25 anos depois

Há 25 anos foi assim...




Poeta castrado não!

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
- é tão vulgar que nos cansa -
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
- a morte é branda e letal -
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
- Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
- Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

3 comentários:

Vital disse...

Justa homenagem: grande poeta, grande publicitário e grande português. Mas o país era pequeno para ele...

P disse...

Parabéns, inclusive pela escolha de um grande poema: desde o 'mantra', até à minha estrofe preferida (a 2ª: renegar a nossa forma de ser, quando de vez em vez ela nos envenena - sentimentos negativos, dão lugar a ideias negativas, ideias negativas dão lugar a actos negativos, actos negativos dão lugar... à morte (Krishnam.)), é bom que Ary seja lembrado. Olha, um Ser Humano como ele faz falta, no nosso mundo.(Reaproveitando termos de um post posterior ao teu, mas que me havia anteriormente já levantado a curiosidade). Parabéns pelo bom gosto, pela justiça de lembrares Gente que vai ficando perdida no eterno Portugal de 3 sílabas apenas, e feito de plástico, ainda por cima... Os meus cumprimentos, P.

Óscar disse...

Obrigado P.