quarta-feira, 26 de novembro de 2008

A Morte o Amor a Vida

Neste momento de dor profunda, um abraço e um poema para o ArViSo, nosso amigo, que não teve sorte agora, mas os amigos estão cá para o ajudar a reerguer-se...



A Morte o Amor a Vida

Julguei que podia quebrar a profundeza a
[imensidade
Com o meu desgosto nu sem contacto sem eco
Estendi-me na minha prisão de portas virgens
Como um morto razoável que soube morrer
Um morto cercado apenas pelo seu nada
Estendi-me sobre as vagas absurdas
Do veneno absorvido por amor da cinza
A solidão pareceu-me mais viva que o sangue

Queria desunir a vida
Queria partilhar a morte com a morte
Entregar meu coração ao vazio e o vazio à vida
Apagar tudo que nada houvesse nem o vidro
[nem o orvalho
Nada nem à frente nem atrás nada inteiro
Havia eliminado o gelo das mãos postas
Havia eliminado a invernal ossatura
Do voto de viver que se anula

Tu vieste o fogo então reanimou-se
A sombra cedeu o frio de baixo iluminou-se de
[estrelas
E a terra cobriu-se
Da tua carne clara e eu senti-me leve
Vieste a solidão fora vencida
Eu tinha um guia na terra
Sabia conduzir-me sabia-me desmedido
Avançava ganhava espaço e tempo
Caminhava para ti dirigia-me incessantemente
[para a luz
A vida tinha um corpo a esperança desfraldava
[as suas velas
O sono transbordava de sonhos e a noite
Prometia à aurora olhares confiantes
Os raios dos teus braços entreabriam o nevoeiro
A tua boca estava húmida dos primeiros orvalhos
O repouso deslumbrado substituía a fadiga
E eu adorava o amor como nos meus primeiros
[tempos

Os campos estão lavrados as fábricas irradiam
E o trigo faz o seu ninho numa vaga enorme
A seara e a vindima têm inúmeras testemunhas
Nada é simples nem singular
O mar espelha-se nos olhos do céu ou da noite

A floresta dá segurança às árvores
E as paredes das casas têm uma pele comum
E as estradas cruzam-se sempre
Os homens nasceram para se entenderem
Para se compreenderem para se amarem
Têm filhos que se tornarão pais dos homens
Têm filhos sem eira nem beira
Que hão-de reinventar o fogo
Que hão-de reinventar os homens
E a natureza e a sua pátria
A de todos os homens
A de todos os tempos.

Paul Eluard, in "Algumas das Palavras"
Tradução de António Ramos Rosa

5 comentários:

Óscar disse...

Para ti, amigo de sempre, um abraço sentido.

Tulius Detritus disse...

Um abraço amigo

Kmett N’Ojo disse...

O poema é lindo mesmo em português. Dificilmente alguém descreveria a Esperança e a Solidariedade, melhor... e de maneira mais vivida!
Não conheço o ArViSo mas deve orgulhar-se dos amigos que tem.

Al Prazolam disse...

ArViso:
Não consigo escrever nada de jeito nestes momentos. É preciso força! Estando longe e mesmo sem nos vermos há muito tempo, nunca deixei de estar contigo.

Sei o que custa.

Sabes, ainda este mês o meu pai partiu e deixou de sofrer...

Um abraço sentido.

K disse...

"Ficamos sem palavras", podem ser "algumas das palavras", não com tanto sentido, não tão claras mas com o mesmo sentir profundo dos momentos turbulentos que tudo aclaram, que tudo relativizam e que tu, ArVISo estás obrigado a suportar.