terça-feira, 11 de novembro de 2008

Confidências, de Almada Negreiros

Poema de Almada Negreiros, São Tomé, 1893-1970


Mãe! Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei!
Traz tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de sangue verdadeiro, encarnado!
Eu ainda não fiz viagens
E a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar.
Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa.
Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exatamente para a nossa casa, como a mesa. Como a mesa.
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

2 comentários:

Óscar disse...

Bom, muito bom!

Kmett N’Ojo disse...

Sou verdadeiramente apaixonado por Almada Negreiros. Se calhar assim tanto como o Labrosca é por Pessoa. Por falar nele, gostava de lhe oferecer, no Natal, o espólio Pessoano, que hoje vai a leilão. Alguém para uma vaquinha...!?