Por vezes é assim: um grande poeta, um grande poema, um grande cantor, uma grande canção. Plagiando o Labrosca, se é assim aqui, como será no Céu?
Manuel Lopes da Fonseca, alentejano de alma e coração, sabia como nenhum outro as razões da luta: «Escrevo por ser do contra, por ver nas palavras um berro humano».
Este grande escritor, nascido em Santiago do Cacém no dia 15 de Outubro de 1911, foi um dos principais autores do neo-realismo português.
Em 1975, com revolução sonhada ainda quente, Adriano Correia de Oliveira pedir-lhe-ia ajuda para “Que nunca mais”. Neste trabalho, com a poesia de Manuel da Fonseca e direcção musical de Fausto, Adriano cantaria o seu primeiro disco em liberdade. Livre do lápis da censura, Adriano cantaria não só a liberdade mas também a ditadura que nunca mais voltará. Neste álbum, que levaria a revista inglesa Music Week a eleger Adriano “Artista do Ano”, ficarão para sempre as palavras imortais do poeta:
Tejo que levas as águas
Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar.
Lava-a de crimes espantos
de roubos fomes terror
lava a cidade de quantos
do ódio fingem amor.
Lava bancos e empresas
dos comedores de dinheiro
que dos salários de tristeza
arrecadam lucro inteiro.
Lava palácios vivendas
casebres bairros de lata
leva negócios e rendas
que a uns farta a outros mata.
Leva nas águas as grades
de aço e silêncio forjadas
deixa soltar-se a verdade
das bocas amordaçadas.
Lava avenidas de vícios
vielas e amores venais
lava albergues e hospícios
cadeias e hospitais.
Afoga empenhos favores
vãs glórias ocas palmas
leva o poder de uns senhores
que compram corpos e almas.
Das camas de amor comprado
desata abraços de lodo
rostos corpos destroçados
lava-os com sal e iodo.
Tejo que levas as águas
correndo de par em par
lava a cidade de mágoas
leva as mágoas para o mar.
2 comentários:
G'ande artigo Vital... afinal publicas muito mais do que "listas"...
Se foi assim na altura, como seria hoje?
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