Pelo motivo que todos conhecem, o mundo do glamour está na espuma dos dias. Falo do glamour do mundo da moda, da TV, do espectáculo e da fama efémera. Julgo que antigamente nestas áreas do glamour tinha de ter-se um dom especial e trabalhar, trabalhar muito sobre essa inclinação para se ser conhecido. Agora é ao contrário: tem de se ser absolutamente conhecido para se poder trabalhar. Daí à cedência total é um passo de formiga.
Não deixa de ser triste, embora um sinal dos tempos, a toada fantasista que a televisão cria e uma série de produtores com pouco nível que percebendo o ainda mais baixo nível geral da população resolveram embrutecê-la de vez, esquecendo-se que para além desse embrutecimento, tal opção acarreta algumas consequências dramáticas e brutais a nível individual por parte de alguns «protagonistas». Também são responsáveis, não criminalmente, não materialmente, mas moralmente. Moralmente são eles os agentes e os autores morais dos crimes do «jet set».
Reparem: qualquer reality show é potenciador do pior da raça humana. E o pior da raça humana aquando da frustração individual pode descambar no assassinato.
O mundo da moda e do espectáculo embrulha em papel cor-de-rosa de revista semanal e comercializa em seguida com elevada rentabilidade para os mais espertos aquilo que nos outros sectores se esconde e é condenado. Afinal qual é diferença entre o assédio sexual, o consumo de drogas e a prestação de favores sexuais para obter contrapartidas profissionais numa qualquer universidade, fábrica têxtil ou hospital e no dito mundo da moda e do espectáculo? Nenhuma, porque acontece em todos, mas claro que numa fábrica ou lojeca tudo isso são problemas que há que combater e chagas sociais que há que denunciar, enquanto no tal mundo do glamour não há problemas propriamente ditos mas apenas zangas públicas, discussões, fotografias, e reconciliações entre os famosos.
Vejam o seguinte paradoxo: qualquer prestação de miúdos noutra área é trabalho infantil e cumpre perseguir, vituperar e penalizar. Neste mundo do glamour é uma oportunidade de carreira.
Um ralhete de um professor é caso para apresentar queixa por violência psicológica, quando não ir às fuças do prof. porque causaram traumas irreparáveis no futuro dos adolescentes. Aqui no mundo dos famosos, os jovens aceitam ser insultados e vilipendiados em directo como se fossem uma corja infra-humana, acham natural, tal como a família e respondem como os papás a lacrimejar: «obrigado, não vou desistir do meu sonho».
É muito perturbante a ingenuidade e a permissividade das famílias de crianças e jovens perante a sua entrada no «mundo da fama» onde o olhar erotizado sobre os mais novos é mais do que óbvio e onde frequentemente eles valem apenas pela cara e pelo corpo que têm, porque talento ainda não podem naturalmente ter.
Ainda há pouco contaram-me que perante a queixa de uma miúda de 14 ou 15 anos de que um avaliador de casting estava a assediá-la, a mãe não só minimizou o assunto como a esbofeteou publicamente. Só perante a repetição da cena com outras jovens, o referido «prospector de talentos» desapareceu de cena.
Se as famílias vissem as crianças e os jovens não como cumprindo um desejo frustrado deles próprios, mas sim pelos olhos dos adultos que com eles lidam acredito que a glamorização do mundo do espectáculo e da fama seria olhada com outros olhos e reduzida a sua dimensão, que é ínfima como devemos saber. E sobretudo transitória. Se os aspirantes a famosos soubessem o que estarão a fazer daqui a 10 anos... Sic transit gloria mundi
3 comentários:
No passado, só quem era importante aparecia na televisão...
Nos dias de hoje, quem aparece na televisão, torna-se “importante” (nem que seja pelos piores motivos!!!)
Daí a razão porque pululam os reality shows e os concursos de “caça talentos”...
Os valores estão totalmente subvertidos... resultando numa sociedade de "mediatismo" e de "imediatismo", de consumismo e de “usar e deitar fora”... seja a mais banal peça de roupa... seja uma qualquer PESSOA!!!...
(e não poderia estar mais de acordo em relação à questão do trabalho infantil!... É a velha questão de dois pesos e duas medidas!)
Quando o Vital escreve assim não resta nada a dizer excepto concordar e dar os parabéns pela lucidez da análise.
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