quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Salvo em Epse...

Ontem falei aqui da carga policial contra polícias e de como fiquei embaraçado quando vi as imagens em casa de uns amigos na Holanda e lembrei-me de um episódio que se não dava um filme, dava pelo menos um trailer. Let´s look then:
Eu tinha uma amiga chamada Ellen que morava em Epse, Holanda, e a meio de um inter-rail resolvi ir visitá-la. (Convém recordar que estamos na era do pitecantropus sem telemobilus). O caso começou logo quando me vi grego (cá está!) para chegar a Epse, lugar de que ninguém tinha ouvido falar. A custo lá encontrei alguém que me disse que ficava perto de Daventer e lá fui, a partir de Amesterdão.
De Daventer para Epse fui de autocarro e à boleia, porque entretanto explicaram-me que Epse nem sequer era uma aldeia, tinha apenas três casas.

O carro deixou-me numa estrada e disse-me que agora era só andar. E andei. Quando finalmente cheguei a casa da Ellen (todo o dia a viajar para fazer para aí 60 km) bati literalmente com o nariz na porta. A casa era muito gira, de campo e tal, mas não tinha ninguém. Olhei em redor e não vi vivalma. Sentei-me na degrau soleiro a comer bananas e comi toda a fruta que conseguira comprar com os últimos marcos antes de passar para os florins.
Esperei. E comi pêras. Esperei outra vez.
Depois, a noite começou a cair e o vento a vergastar os salgueiros. E eu a ficar com frio. E desesperado. E arrependido de ter ido.
De repente, literalmente de nenhures, no estradão de terra batida fronteiro à casa, surge uma rapariga (sim, era bela) a passo lento no seu corcel negro. Levantei-me num ápice a pensar que fosse a Ellen (era uma grande 'animal lover') mas depressa vi que não era. E a elegante amazona passou sobranceira, muito devagar. Sorriu e eu retribui. E lá continuou.
O tempo passava e a noite a chegar sem aparecer ninguém e eu no meio de nenhures. Tentei encontrar outra casa, alguém, um carro, uma estrada, mas nada. Depois de muito palmilhar avistei um agricultor no seu tractor. E perguntei-lhe no meu melhor inglês: - olhe, por favor, conhece a Ellen?
- Conheço,claro, respondeu num inglês melhor que o meu, «mas estás com azar porque ela e a mãe estão na cidade e só voltam ao fim-de-semana. E nem todos.».
Balde de água fria. Larguei uns impropérios em português, mas para dentro, claro. A noite chegou e eu, desesperado, não sabia o que fazer.
Voltei à estrada, andei uns metros, mas estava a dezenas de quilómetros da próxima povoação e sucumbi.
Atirei a mochila para a valeta e sentei-me na estrada. Passada uma meia hora aproxima-se um carro e eu levantei-me dum pulo a pensar como fazê-lo parar.
Mas não foi preciso. O pequeno Golf castanho encostou e abrindo a janela a bela amazona que tinha passado por mim, disse-me:
- Estavas à espera da Ellen, não estavas? Fiquei tão boquiaberto que nem falei, assenti apenas. O calor que vinha de dentro do automóvel inebriava-me. E ela era linda...
- É melhor entrares porque a Ellen não vem hoje de certeza e aqui não arranjas sítio para dormir. Podes vir para minha casa.
Fui para casa dela. E foi ao jantar que vendo as imagens na televisão lá lhe expliquei que não era comum em Portugal os polícias arrearem nos outros polícias. Passámos um par de dias fantásticos. Depois no fim-de-semana levou-me a casa da Ellen. Mas já não me apetecia ir para casa da Ellen. Ainda hoje trocámos postais de Natal.

1 comentário:

Kmett N’Ojo disse...

Fantástico!
Tenho realmente inveja destas tuas histórias. Inveja de não serem minhas. Não pelas miúdas – também tive a minha dose! – mas pela vivência, pelas viagens, pelos conhecimentos enriquecedores de vida. É inveja sim mas uma inveja boa. Existe palavra para isso?