segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Madame Reneille


Para contar esta história tenho que recuar duas décadas no tempo. Na época, as férias valiam por um ano inteiro. Sempre que havia dinheiro suficiente no bolso lá estávamos nós a viajar por essa Europa fora. Mas nem sempre era assim. Nas férias de 1986 o meu pai, porque as crises não são só de agora, deu-me dez contos para a mão (é preciso dizer que o bilhete de inter-rail custava na altura vinte e tal contos).

Com tal orçamento, eu e um amigo pusemos os pés na estrada à boleia. Percorremos, durante um mês, Portugal de lés-a-lés. Vindos do Sul, mais propriamente de Sagres, passámos uns dias em Lisboa. Numa bela tarde de Agosto decidimos gastar uma fatia do nosso pecúlio na esplanada da Pastelaria Suiça frente ao Rossio (um daqueles lugares de visita obrigatória!).

Enquanto saboreávamos vagarosamente um delicioso eclair, para fazer "render o peixe", fomos assediados por um simpática velhinha que se fez de convidada para a nossa mesa. A senhora, grande conversadora, tinha um ligeiro sotaque. Era Belga de nascimento.

Durante toda essa tarde contou fabulosas peripécias da sua vida. Dizia que tinha sido casada com o Visconde do Estoril. Que não tinha filhos e que toda a sua família tinha já partido. Que tinha vivdo faustosamente convivendo com Reis, Rainhas e outras personagens de sangue-azul (e de muito dinheiro!). Embora não acreditássemos em dois terços das suas narrações, eu e o meu amigo ouvíamo-la com o mesmo interesse de uma criança quando alguém lê uma fábula. Enquanto contava as suas histórias, ia pagando rodadas de cerveja umas atrás das outras. A certa altura estava já a ficar preocupado com a sua saúde. Tinha receio que estas tivessem como intenção manter-nos ali à sua beira. Ela era nitidamente uma pessoa só à procura de companhia.

Era já quase noite quando a Madame Reneille deu por finda a conversa. Eu e o meu amigo acompanhámo-la, então, à sua residência. Depois de caminharmos uns bons vinte minutos, com as pernas a tentarem desobedecer de tanta cerveja, chegámos a um faustoso hotel de 5 estrelas.
Nem queríamos acreditar quando ela nos disse que era ali a sua "casa". Afinal era tudo verdade! O porteiro, impecavelmente vestido de farda, fez-lhe então uma vénia daquelas que quase levam a cabeça de encontro aos joelhos. Dois beijinhos, promessas de um novo encontro. E lá deixámos para trás a fantástica Madame Reneille!

Nunca mais voltei a ver a Viscondessa do Estoril. Fico-lhe eternamente agradecido pelas suas lições de vida. Por uma tarde inesquecível. Creio que ela também gostou. Várias vezes interrompeu as suas memórias para nos acarinhar e dizer que se tivesse tido filhos gostaria que eles tivessem sido parecidos connosco.

1 comentário:

Vital disse...

Agora sim, Óscar, estás de volta. Bela história.