sexta-feira, 18 de julho de 2008

Eugénio de Andrade - Adeus

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

2 comentários:

Vital disse...

Tulinho: não estás a pensar mudar de vida (outra vez), pois não? Qualquer dia tenho dificuldade em memorizar os nomes delas e ainda me pões às 7 da manhã a fazer o pino sem mãos (nu, claro). Mas um poema do Geninho tem sempre algo de positivo e optimista :)

K disse...

Tulius Detritus:
muito obrigado por partilhares este saboroso amargo de vida do poeta.
Li-o agora, ao som de John Coltrane, album (vinil, claro) Blue Train, editora Blue Note, tema " I'm Old Fashioned ".
Vieram-me as lágrimas aos olhos pela dureza da realidade que, afinal, todos nós gostamos, a esperança da vida, do amor da desilusão e, renascida, sempre a esperança da ilusão...