domingo, 6 de dezembro de 2009
Já li Caim e... gostei!
Em Portugal há uma tendência diria que genética para se despeitar o talento e o sucesso dos outros. Saramago, o único escritor galardoado com um Nobel, é desprezado pela maioria dos portugueses. Poderia até ser cognominado de "O mal-amado".
Aceito que o senhor não deixe transparecer simpatia por todos os poros mas não confundo a sua personalidade com talento e criatividade. Saramago é o mestre das vírgulas, os seus textos adquirem uma cadência e uma expressividade ímpares mesmo sem o recurso a outros sinais gráficos para além destas e de uns poucos pontos finais. A pontuação não está lá mas adivinha-se.
Ir atrás daquela toada, aceitar os diálogos no meio da narração, reconhecer as vírgulas como pontos finais, são ousadias que não se recomendam a um qualquer aprendiz, é certo, mas o mestre faz, e faz bem. E depois é aquela imensa capacidade para inventar histórias: a Península Ibérica que se desprende do resto da Europa, um país em que as pessoas não morrem, o último ano de vida de Ricardo Reis...
Confesso que nem sempre gosto da forma como Saramago acaba os seus livros. Por vezes dá-me a sensação de que se impacienta com as suas próprias obras e descura um pouco a parte final. Um pequeno senão de uma obra maior.
Acabei de ler há poucas semanas Caim e gostei. Perdoem-me os críticos, os literários (os verdadeiros e os de meia-tigela), aqueles que leram o livro e os que nem sequer o folhearam mas se juntaram no coro do bota-abaixismo. Na minha opinião o livro é bom, está bem escrito e reúne uma série de críticas contundentes e coerentemente fundamentadas ao Velho Testamento. Um belíssimo exercício de humanismo e insubordinação ante o caldo cultural/religioso do mundo ocidental.
Só mais uma nota para dizer o seguinte: felizes de nós por vivermos numa sociedade cuja reacção a um livro deste teor se resume apenas a meia-dúzia críticas e de insultos grosseiros!..
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3 comentários:
Tens toda a razão. Eu sempre destestei visceralmente a personagem. Mas agora que todos zurzem, (como sou do contra) já comecei a simpatizar com algumas posições e com alguma obra. Com o homem ainda não está fácil...
Ok, óptimo.
Mas para "Something completly different", não sobre o livro (não está em causa que é um excelente escritor..), mas sobre o pensamento subjacente, aconselho leres o artigo do Richard Zimler publicado no Ipsilon em 27.10.2009.
"Saramago e a insustentável leveza da ignorância"
Se estiveres interessado envio-to.
PA
Mas, para os eventuais interessados aqui vai..
http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=243802
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