Gosto muito dos sábados.
Adoro as sextas.
Sexta-feira é demasiado bom para ser verdade. No dia seguinte é sábado.E quando for sábado ainda temos o domingo.
Então, hoje é domingo.
Começa um pouco mal porque de manhã está tudo e dormir e não se pode fazer barulho.
Vem a hora de almoço e persiste a indecisão de sair ou não sair.
Comer em casa é pena porque não se passeia de manhã, e de manhã é que é bom passear.
Comer em casa é pena porque a Maria (sem ofensa) fica a manhã a cozinhar e depois tem de arrumar a cozinha e depois, sair, já é um bocado tarde.
Por outro lado, comer fora é pena porque o puto (sem ofensa) quer estar no computador
e se vamos comer fora passa todo o dia longe do computador e dos jogos e dos amigos no skipe e é seca.
Por outro lado comer fora é pena porque gasta-se dinheiro, temos de andar de carro e é seca, e temos de ir para longe e gasta-se o domingo todo, o que é seca.
Por outro lado, comer fora é pena, porque em qualquer restaurante está o pessoal em pé à espera de lugar, a olhar para o meu prato, a observar como é que eu tiro a tiésia do bife, se é puxado com o garfo ou se é cortado rentinho para não desperdiçar carne.
Saídos do restaurante, há aquela sensação de boca gordurosa, a pedir escova de dentes e fio dental, corpo a pedir sombra e casa.
Mas não, o caminho é pelo sol escaldante até ao carro, e vem logo o "então vamos para onde?"
É um desespero.
Para as filas rumo à foz? Com o sol a bater de frente, a queimar as pernas. O ar que não entra pelas janelas, porque o raio da fila não anda.
E as famílias vão felizes?
Os putos aos saltos no banco de trás, que não aguentam os cintos.
A mulher ao lado, com as gorduras acumuladas que tenta conversa que não ouço.
Eu, com as mãos no volante que não gira, a pensar no que tenho de fazer com toda a urgência amanhã que é segunda, e que é imperioso terminar durante toda a semana, senão estou desgraçado.
E chega a agonia.
Ah, se me tivesse saído o euromilhões...comprava uma casa em...nunca mais ia trabalhar...só sai aos outros...não tenho sorte nenhuma...
E aquele miudinho com a roupa nova que o impede de rebolar na relva sombria porque a previdente mãe não deixa sujar, "pode ter cocó de cão, não te sujes".
E a sogra no seu penoso andar, bamboleante, que a anca dói e as vrizes não perdoam, e mesmo assim sorri para o neto.
E o marido, com o sapato lustroso e bicudo que sempre fez apertar o joanete, que sonha em voltar a ter um pequeno rádio a transistores, com antena, o corte certeiro do corta-unhas, para acompanhar o salgueiral e o pedrouços.
E a vendedora da língua da sogra, que não consegue disfarçar a mão escura do longo dia na triste sina que lhe caíu.
E aquele ali, com toda a família desesperada dentro do punto vermelho coçado pelo sol, de duas portas, fita vermelha e terço pendurado no retrovisor, com o capot aberto, e a última tentativa de encher o depósito do radiador furado, com água vertida da velha garrafa de 1,5 l, a perder a esperança do ar racing que lhe dava aquele autocolante colado na tampa do depósito, as letras disfarçadas de autênticas na traseira, onde se lê "Kony Equiped", ou as garrafais letras em perfil arredondado do autocolante do vidro traseiro, onde se lê "Rokford Fosgate", ou mesmo o brilho dos pneus que demorou essa manhã quase uma hora a lavar e a polir, ou a ponta de escape super larga em que se lê "REMUS", ou ainda o pneu da recauchutagem sousa de medida dois números acima da jante, que juntamente com a suspensão rebaixada, faz os horrores à espinha da D.ª Emília (vizinha viúva, já há 35 longos anos do Sr. Barbosa da drogaria, que não despensa os passeios de domingo com estes amigos).
Mas de repente desaparece o calor e o sol, e a barriga apertada pelo cinto, e o barulho, e sinto um bem estar fabuloso, com uma morena vistosa, linda, andar ligeiro e vestido a esvoaçar, vem na minha direcção, debruça-se sobre mim a sorrir, qual anjo, querendo acariciar-me e beijar ... quando sinto de repente um bater vigoroso no braço, com a Maria zangada, "tás a dormir? anda lá com o carro que a bicha já bai a seguir..."
1 comentário:
Ò Labrosca, esse teu post cai mesmo na fraqueza... até dá vontade que venha a 2ªfeira! Às tantas o Sócrates ainda vai usá-lo para aumentar a produtividade no nosso país!
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