quinta-feira, 11 de março de 2010

Eça, ainda e sempre!

Há frases que lemos, coisas que ouvimos ou que vemos que, por se tornarem de tal forma relevantes, acabam por fazer parte dos alicerces da nossa própria individualidade. Nunca mais esqueço a fantástica experiência que constituiu a leitura dos Maias. Então com 17 anos, uma vida pela frente e ambições do tamanho do mundo, sorvi com avidez todo o desenrolar do romance de uma forma como antes nunca tinha acontecido. Aquelas palavras finais do livro bateram-me como martelos. Senti-as profundamente como uma ameaça terrível que se poderia abater sobre a minha vida e a daqueles com quem compartilhava os sonhos. E, assim, os Maias transformaram-se num referencial permanente daquilo em que não quero nunca transformar-me.

"Falhámos a vida, menino! (…) Ega, em suma, concordava. Do que ele principalmente se convencera, nesses estreitos anos de vida, era da inutilidade do todo o esforço. Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma na terra - porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em desilusão e poeira.
- Se me dissessem que ali em baixo estava uma fortuna (…) à minha espera, (..) se eu para lá corresse, eu não apressava o passo... Não! Não saía deste passinho lento, prudente, correcto, seguro, que é o único que se deve ter na vida.
- Nem eu! - acudiu Carlos com uma convicção decisiva (…)- Lá vem um «americano», ainda o apanhamos.
- Ainda o apanhamos! Os dois amigos lançaram o passo, largamente. E Carlos, que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
- Que raiva ter esquecido o paiozinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma...
Ega, ao lado, ajuntava, ofegante, atirando as pernas magras:
- Nem para o amor, nem para a glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...
A lanterna vermelha do «americano», ao longe, no escuro, parara. E foi em Carlos e em João da Ega uma esperança, outro esforço:
- Ainda o apanhamos!


Estas palavras surgem-me ainda hoje recorrentemente sobretudo quando as rotinas e os contextos nos inibem (a mim e aos da minha geração) a capacidade de (re)criar as nossas vidas.
"Falhámos a vida, menino!" Oxalá estas palavras nunca ocorram - ainda que de uma forma implícita - no seio do monami6f.

1 comentário:

©arloslemos disse...

Palavras no momento certo. Obrigado amigo por estimulares a consciência. Um abanãozinho é sempre bem-vindo quando estamos a dormitar quando não devemos.