sábado, 8 de agosto de 2009

Herzog

Acabei de ler um livro absolutamente extraordinário que só agora descobri, apesar de já ter sido publicado em 1964 (um ano fantástico devo dizer!) Chama-se Herzog é de Saul Bellow, escritor norte-americano, de origem judaica, prémio Nobel de Literatura em 1976, falecido em 2005. É um dos livros da colecção “Biblioteca Sábado” da revista com o mesmo nome e que me custaram apenas 1 Euro cada um (mais a respectiva revista, claro está). Aconselho vivamente, principalmente a quem tem alguma apetência por temas mais ou menos filosóficos. O personagem principal, Herzog, professor de Filosofia, escreve obsessivamente cartas, uma das quais não resisto a partilhar com vocês e a transcrevê-la aqui. Peço desculpa pelo texto se calhar, demasiado longo para ser publicado no blog mas em tempo de férias uma leitura deste calibre faz sempre bem à mente e ao espírito. E vale a pena!

"Caro Herr Nietzsche – Excelentíssimo senhor. Poderei fazer-lhe uma pergunta cá de baixo? Refere-se ao poder espírito Dionisíaco de suportar a visão do Terrível, do Problemático, de se permitir a luxúria da Destruição, de testemunhar a Decomposição, a Hediondez, o Mal. Tudo isto o espírito Dionisíaco o pode fazer porque aufere da capacidade de restabelecimento da própria Natureza. Algumas destas expressões, permita-me que lho diga, têm uma aura muito germânica. Uma frase como a “luxúria da Destruição” é francamente wagneriana, e eu bem sei por que razão veio a desprezar toda essa idiotice e bombásticos doentios de Wagner. Actualmente, já assistimos a destruições suficientes para pôr amplamente à prova o poder do espírito Dionisíaco, e onde estão os heróis que disso se refizeram? Estou só com a Natureza (ela própria) nos Berkshires, e é esta a minha oportunidade de compreender. Estou deitado numa rede, com o queixo sobre o peito, de dedos entrelaçados, com o espírito atolado em pensamentos, agitado, sim, mas também alegre, e sei que valoriza a alegria – a autêntica alegria, não o aparente optimismo dos epicuristas, nem a flutuabilidade estratégica dos desesperados. Sei igualmente que considera que a dor profunda enobrece, a dor que arde lentamente, como madeira verde, e nisso concordo consigo, em parte. Mas para essa educação superior é necessária a sobrevivência. É preciso resistir à dor. Herzog! Tens de pôr cobro a esta tendência para polémica e conflito com os grandes homens. Não, na verdade, Herr Nietzsche, tenho por si grande admiração. Simpatia. Deseja capacitar-nos para vivermos com o vácuo. Não nos iludindo com as boas intenções, a confiança, com considerações humanas, vulgares e medianas, mas indagando como nunca se indagou, incansavelmente, com férrea determinação, no mal, através do mal, para além do mal, não aceitando qualquer abjecto conforto. As perguntas mais absolutas, mais pertinazes. Rejeitando a humanidade tal como ela é, essa multidão vulgar, prática, salteadora, fedorenta, obscurecida, estúpida, não apenas a multidão dos trabalhadores, mas essa multidão “educada”, ainda pior, com os seus livros e concertos e conferências, o seu liberalismo e os seus “amores” e “paixões” românticos e teatrais – tudo isso merece morrer, e morrerá. Está bem. No entanto, os seus extremistas têm de sobreviver. Sem sobrevivência, não há Amor Fati. Os seus imoralistas também comem carne. Andam de autocarro. Mas são os viajantes que pior se dão com os autocarros. A humanidade vive principalmente de ideias pervertidas. Pervertidas, as suas ideias não são melhores que as do Cristianismo que condena. Qualquer filósofo que deseja manter-se em contacto com a humanidade deveria previamente perverter o seu próprio sistema para ver como será encarado algumas décadas após a adopção. Envio-lhe os melhores cumprimentos deste jardim de luz temporal onde pulula a relva, e desejo-lhe felicidades, onde quer que se encontre. Seu sob o véu de Maya, M. E. H."(erzog)
Saul Bellow in “Herzog”

1 comentário:

K disse...

Gostava de comentar este post.
Parece-me bastante recheado de conceitos e observações que chegariam para escrever páginas de comentários.
Só tenho um problema.
Não sei comentar.
Não tenho pedalada filosófica para tanto.
Talvez uma boa saída seja a que os jovens utilizam hoje com frequência:
"tá-se bem"